Importância da monitorização ECG estendida no diagnóstico de arritmias

Por - Jerazel
25/03/24 17:22

O uso da monitorização prolongada no diagnóstico das arritmias cardíacas

Embora geralmente benignas, as arritmias cardíacas podem, eventualmente, ser fatais. O diagnóstico e tratamento efetivos nessas situações podem reduzir substancialmente a morbidade e mortalidade associadas. Entretanto, o caráter muitas vezes transitório e assintomático das arritmias cardíacas rotineiramente resulta em subdiagnóstico.


Apesar do Holter de 24h ser amplamente utilizado na avaliação das arritmias, o mesmo apresenta baixo valor diagnóstico na detecção de formas paroxísticas. Por outro lado, estudos mostram que a monitorização estendida por 14 dias proporciona altas taxas de detecção (1). 


Revisão sistemática de 22 estudos com Zio patch, um sistema de monitorização cardíaca de longa duração e ininterrupto, mostou taxas de detecção de arritmias inferiores a 50% com monitorizacão por 24 h e de até 90% em 7 dias (2). 


O uso da monitorização prolongada no diagnóstico de fibrilação atrial paroxística

A fibrilação atrial (FA) associa-se a maior ocorrência de eventos adversos como déficit cognitivo ou demência, infarto do miocárdio, morte súbita cardíaca, insuficiência cardíaca, doença renal crônica e doença vascular periférica. 


Uma complicação muito temida em pacientes com FA é o acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI). Seu risco é de até cinco vezes maior em portadores de FA, dependendo da presença de modificadores ou fatores de risco específicos tais como idade avançada, diabete melito, insuficiência cardíaca e história prévia de AVCI. Sendo assim, o diagnóstico é fundamental, principalmente no grupo de pacientes de mais alto risco, considerando-se que a terapêutica anticoagulante oral reduz de forma significativa as taxas de fenômenos tromboembólicos nessa população.


Estima-se, entretanto, que 20% à 30% dos indivíduos têm a forma paroxística. Além disso, grande parcela dos portadores de FA é assintomática , logo não diagnosticada e, portanto, não tratada. 


Diversos modelos de predição de risco de FA foram desenvolvidos e a triagem envolve a realização de traçados eletrocardiográficos únicos, Holter de 24 horas, ECG intermitente ou monitores eletrocardiográficos externos. 


Em uma grande análise retrospectiva de 13.293 indivíduos acompanhados com eletrocardiograma de derivação única e estendida por até 2 semanas (média de tempo de uso de 11.1 dias analisáveis), a monitorização por 24h, 48h e 7 dias resultou em identificação de FA paroxística em 49.4%, 63.1% e 89.7% dos casos, respectivamente (3).


Da mesma forma, em uma análise prospectiva, 210 pacientes foram monitorizados por meio de Holter de 24h seguido por patch adesivo por 48 horas adicionais. A monitorização mais prolongada proporcionou uma taxa de detecção de fibrilação atrial 1.6 vezes maior que o o Holter de 24horas (4).


A monitorização cardíaca prolongada também tem um importante papel em casos de detecção de recorrência de FA e avaliação da resposta à estratégias terapêuticas como uso de medicamentos ou ablação por cateter. Da mesma forma, as avaliações da frequência e duração dos episódios assim como da carga de arritmia são relevante em pacientes com FA (tabela) (5).



Classe de recomendação

Nível de evidência

Em pacientes com diagnóstico de FA, o uso de algoritmos automáticos disponível em monitores eletrocardiográficos, externos, monitores implantáveis ou dispositivos cardíacos com eletrodo atrial é razoável para avaliação da frequência, duração e carga de FA


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O uso da monitorização prolongada no diagnóstico de fibrilação atrial como causa de AVCI

Aproximadamente 20 a 40% dos casos de AVCI não têm etiologia definida a despeito de uma avaliação clínica detalhada. Considerando-se que o tratamento com anticoagulante oral não é recomendado em pacientes com AVCI sem o diagnóstico confirmado de FA, a monitorização cardíaca prolongada é particularmente importante nessa situação já que a documentação arrítmica tem implicações terapêuticas. 


Estudos mostram que a detecção de FA em pacientes admitidos com isquemia cerebral e que se apresentam em ritmo sinusal é baixa nos primeiros dias (5-6% nas primeiras 24-48h). Já a monitorização por 7 dias resulta num incremento modesto para 12% (6). No estudo CRYSTAL AF, no qual os pacientes foram randomicamente acompanhados com monitorização contínua vs controle usual, as taxas de detecção de FA foram significativamente maiores no grupo monitorização (8,9% vs 1,4% aos 6 meses, respectivamente e 12,4% vs 2% aos 12 meses, respectivamente. Interessantemente, o diagnóstico de FA ocorreu, em média, 84 dias após o evento cerebral (7). Estudo prospectivo com 100 pacientes com AVCI criptogênico mostrou maiores taxas de detecção de FA subclínica com a monitorização precoce (iniciada logo após a alta hospitalar) (22%) comparado com a monitorização tardia (6%) (8). Essas observações reforçam a importância da monitorização precoce e prolongada em pacientes com AVC sem etiologia esclarecida nos quais a FA é a principal hipótese etiológica.


Recentemente publicadas, as diretrizes americanas sobre o diagnóstico de manejo da fibrilação atrial enfatizam a importância do uso de ferramentas de monitorização do ritmo nessa condição (tabela) (5).



Classe de recomendação

Nível de evidência

Em pacientes com AVC ou AIT de causa indeterminada, a monitorização cardíaca inicial e, se necessário, estendida com monitores implantáveis é razoável para melhorar a detecção de FA

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Em suma, a monitorização cardíaca prolongada é de grande auxílio para o diagnóstico e seguimento das arritmias cardíacas, particularmente nas formas paroxísticas, permitindo que o tratamento seja apropriadamente recomendado.


Referências bibliográficas

  1. Barrett PM, Komatireddy R, Haaser S, Topol S, Sheard J, Encinas J, Fought AJ, Topol EJ. Comparison of 24-hour Holter monitoring with 14-day novel adhesive patch electrocardiographic monitoring. Am J Med. 2014 Jan;127(1):95.e11-7. doi: 10.1016/j.amjmed.2013.10.003. Epub 2013 Oct 15. PMID: 24384108; PMCID: PMC3882198.

  2. Yenikomshiana M, Jarvisa J, Pattonb C, Yeea, Mortimera R, Birnbaumaand H, Topash M. Cardiac arrhythmia detection outcomes among patients monitored with the Ziopatch system: a systematic literature review. Current Medical Research and Opinion. 2019; 35(10):1659–1670

  3. Wineinger NE, Barrett PM, Zhang Y, Irfanullah I, Muse ED, Steinhubl SR, Topol EJ. Identification of paroxysmal atrial fibrillation subtypes in over 13,000 individuals. Heart Rhythm. 2019 Jan;16(1):26-30. doi: 10.1016/j.hrthm.2018.08.012. Epub 2018 Aug 14. PMID: 30118885; PMCID: PMC6800237.

  4. Kwon S, Lee S, Choi E, Ahn H, Song H, Lee Y, Oh S, Lip GYH
    Comparison Between the 24-hour Holter Test and 72-hour Single-Lead Electrocardiogram Monitoring With an Adhesive Patch-Type Device for Atrial Fibrillation Detection: Prospective Cohort Study.
    J Med Internet Res. 2022;24(5):e37970

  5. Writing Committee Members; Joglar JA, Chung MK, Armbruster AL, Benjamin EJ, Chyou JY, Cronin EM, Deswal A, Eckhardt LL, Goldberger ZD, Gopinathannair R, Gorenek B, Hess PL, Hlatky M, Hogan G, Ibeh C, Indik JH, Kido K, Kusumoto F, Link MS, Linta KT, Marcus GM, McCarthy PM, Patel N, Patton KK, Perez MV, Piccini JP, Russo AM, Sanders P, Streur MM, Thomas KL, Times S, Tisdale JE, Valente AM, Van Wagoner DR. 2023 ACC/AHA/ACCP/HRS Guideline for the Diagnosis and Management of Atrial Fibrillation: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2024 Jan 2;83(1):109-279. doi: 10.1016/j.jacc.2023.08.017. Epub 2023 Nov 30. PMID: 38043043.

  6. Stahrenberg R, Weber-Krüger M, Seegers J, Edelmann F, Lahno R, Haase B, Mende M, Wohlfahrt J, Kermer P, Vollmann D, Hasenfuss G, Gröschel K, Wachter R. Enhanced detection of paroxysmal atrial fibrillation by early and prolonged continuous holter monitoring in patients with cerebral ischemia presenting in sinus rhythm. Stroke. 2010 Dec;41(12):2884-8. doi: 10.1161/STROKEAHA.110.591958. Epub 2010 Oct 21. PMID: 20966415

  7. Sanna T, Diener HC, Passman RS, Di Lazzaro V, Bernstein RA, Morillo CA, Rymer MM, Thijs V, Rogers T, Beckers F, Lindborg K, Brachmann J; CRYSTAL AF Investigators. Cryptogenic stroke and underlying atrial fibrillation. N Engl J Med. 2014 Jun 26;370(26):2478-86. doi: 10.1056/NEJMoa1313600. PMID: 24963567

  8. Campal JMR, Torres AG, Borque PS, Vinagre IN, Capdepdon IZ, Blanco AM, Calero LB, Pinel RS, Fernandez JT, Fernandez JMS. Detecting Atrial Fibrillation in Patients With an Embolic Stroke of Undetermined Source (from the DAF-ESUS registry). Am J Cardiol. 2020;125:409−414)

Luciana Armaganijan

Data de publicação: 25/03/2024